quarta-feira, 30 de maio de 2012

Slow Science

Recebi o link sobre o assunto de uma grande amiga, e acredito que muitos pesquisadores compartilham deste sofrimento: publicar, publicar e publicar... Até que ponto o incentivo ao sistema fordista de publicação para conseguir índices, pontuações e respaldo e assim conseguir financiamento para desenvolver pesquisas é válido? Atualmente a lógica tem sindo essa. 

 Vale a pena refletir sobre o assunto sem se preocupar em publicá-lo... 

 Manifesto da Slow Science 

 O movimento Slow Science defende o direito de cientistas fugirem da corrida pelo grande número de publicações e priorizarem qualidade da pesquisa. Sabine Righetti (Folha de S. Paulo, 08/08/11) noticiou que um movimento que começou na Alemanha está ganhando, aos poucos, os acadêmicos. A ebulição é espontânea: mais tempo para os cientistas fazerem pesquisa. Quando docentes são pressionados a se dedicar, em simultâneo, à massificação do ensino superior e à produção seriada de papers, evidentemente, predomina a quantidade e não a qualidade do trabalho. 

Quem encabeça a ideia é a organização Slow Science, criada por cientistas gabaritados da Alemanha. Aderir ao movimento significa não se render à produção desenfreada de artigos em revistas especializadas, apenas para contar muitos pontos nos sistemas de avaliação de produção científica

 De acordo com o padrão norte-americano hegemônico, quem publica em revistas científicas muito lidas e mencionadas por outros cientistas consegue mais recursos para pesquisa. Por isso, os cientistas acabam centrando seu trabalho nos resultados imediatos: publicações. Vale-tudo: múltiplos (e falsos) autores, troca de favores, patotas, exclusivismo, sedução de editores, etc. O carreirismo predomina sobre o amadurecimento intelectual. 

“Somos uma guerrilha de neurocientistas que luta para que o modelo midiático de produção científica seja revisto”, disse o neurocientista Jonas Obleser, do Instituto Max Planck, um dos criadores do Slow Science. O grupo divulgou um manifesto, no final do ano passado, em que proclama: “Somos cientistas, não blogamos, não tuitamos, temos nosso tempo”. [Eu "blogo" e pouco me importo se alguns colegas desdenham esse instrumento contemporâneo de debate público.] “A ciência lenta sempre existiu ao longo de séculos. Agora, precisa de proteção.” 

O manifesto faz sentido científico. Há necessidade de verificar os dados com vagar, antes de tirar conclusões precipitadas. A Slow Science alerta para a questão do tempo necessário para analisar certa hipótese em profundidade e tirar conclusões acertadas. 

Nesse movimento de “desobediência civil”, não é preciso se filiar formalmente. Basta imprimir o manifesto e divulgar no seu departamento. A ideia é pregar a pesquisa que não se paute só pelo resultado rápido e por critérios internacionais, pois coloca temas nacionais em segundo plano. O monismo metodológico para todas as ciências, seja laboratoriais, seja sociais, é debate inconcluso e não pode ser imposto à força. 

“É improvável que o ritmo de fazer pesquisa seja diminuído por meio de acordo mundial em que cada cientista assume o compromisso de desacelerar seus trabalhos”, foi a reação de especialista em cientometria (medição da produtividade científica). Credo! 

O MANIFESTO DA CIÊNCIA LENTA 

Nós somos cientistas. Nós não blogamos. Nós não tuitamos. Nós necessitamos do nosso tempo. 

Não nos levem a mal – dizemos sim para a ciência acelerada do início do século 21. Dizemos sim ao constante fluxo de publicações em revista e medição de seu impacto; dizemos sim para blogs de ciência e atendimento das necessidades de mídia; dizemos sim à crescente especialização e diversificação em todas as disciplinas. Nós também dizemos sim para investigar a retroalimentação dos cuidados de saúde e a prosperidade futura. Todos nós estamos também neste jogo. 

No entanto, sustentamos que isto não pode ser tudo. Ciência precisa de tempo para pensar. Ciência precisa de tempo para ler, e tempo para falhar. A ciência nem sempre sabe o que pode estar certo apenas agora. Ciência se desenvolve de maneira vacilante, com movimentos bruscos e saltos imprevisíveis para a frente. Ao mesmo tempo, no entanto, arrasta-se por aproximação em escala muito lenta, para a qual deve haver tolerância de maneira que seu resultado seja justo. 

Ciência lenta foi praticamente a única ciência concebível por centenas de anos; hoje, argumentamos, essa lentidão merece renascer e ter necessidade de proteção. A sociedade deve dar aos cientistas o tempo necessário, mas, mais importante, os cientistas devem adequar seu tempo. Precisamos de tempo para pensar. Precisamos de tempo para digerir. Precisamos de tempo para entender bem uns aos outros, especialmente, para a promoção do diálogo perdido entre humanidades e ciências naturais. Nós não podemos dizer, continuamente, o que nossa ciência significa, o que será bom para ela, porque nós simplesmente ainda não sabemos. Ciência precisa de tempo.