sábado, 14 de março de 2009

Sobre as Montanhas



“Se o mar oferece a meu olhar uma paisagem diluída, a montanha aparece-me como um mundo concentrado. Ela o é, no sentindo próprio, uma vez que a terra pregueada e dobrada congrega superfície maior para extensão idêntica. As promessas desse universo mais denso também demoram mais para se esgotar; o clima instável que aí reina e as diferenças decorrentes da altitude, da exposição e da natureza do solo favorecem os contrastes nítidos entre vertentes e os planos, bem como entre as estações. Eu não me sentia, como tanta gente, deprimido por uma temporada num vale estreito onde os declives, em razão de sua proximidade, assumem aspecto de muralha e só deixa a mostra um nesga de céu que o sol percorre em poucas horas; muito pelo contrário.

Parecia-me que essa paisagem de pé era viva. Em vez de se submeter passivamente a minha contemplação, como um quadro cujos pormenores é possível apreender à distancia e sem qualquer esforço pessoal, ela me convidava a uma espécie de diálogo onde deveríamos, nós dois, fornecer o melhor de nós mesmos. O esforço físico que eu despendia a percorrê-la era algo que eu cedia, e pelo qual o seu ser fazia-se-me presente.
Rebelde e provocante a um só tempo, furtando-me sempre uma metade de si mesma, mas para renovar a outra pela perspectiva complementar que acompanha sua ascensão ou a descida, a paisagem de montanha unia-se a mim numa espécie de dança que eu tinha a sensação de guiar mais livremente na medida em que melhor conseguira penetrar nas grandes verdades que a inspiravam.”

LÉVI-STRAUSS, Claude; Tristes Trópicos; tradução Rosa Freire D’Aguiar; São Paulo: Companhia das Letras, 1996; p 321 e 322

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